SORTE SELADA
“O Tempo me ensinou a não acreditar demais na morte nem desistir da vida”
Lya Luft
Era uma tarde de sol muito quente. Dava uma lerdeza danada no corpo. Só o que andava rápido e solto era o pensamento.Tudo mais parecia se arrastar. Avida... Os dias todos muito iguais, repetidos, arrepiantes de tão chatos. Novidade... Até esquecera o que era uma novidade .
Já nem sabia por onde andava aquela menina moleca que sonhava com uma vida muito diferente daquela. Queria aprender música, tocar em locais distantes dali, brilhar nos saraus, casar com aquele seu professor de piano e com ele ganhar esse mundão de Deus. Aliás, nem sabia se ela existira realmente. Ou se tendo existido já estava morta.
Não tivera escolha, a pobre. Quando percebera o pai já tinha decidido. Fora escolhida para casar com o primo. Coisas de conveniências, manterem patrimônio, essas idéias práticas, lógica de homem pela qual ela nem se interessava muito.
Sua sorte fora selada tal qual dos bois da fazenda. Uns para corte, outros para a lida. Todos marcados, no couro e no destino. Sentia-se igualzinha a eles. Todo dia fazia a mesma coisa.
E os sonhos?Já nem lembrava se os tivera mesmo. Se eram seus.
Olhava-se no espelho e não se reconhecia. Era o fantasma de si mesma. Esse fantasma que a aterrorizava e mostrava que a morte dos sonhos era a morte da alma.
Então... morta ela se sentia...
Sentia-se igual a tudo em sua volta. Propriedade alheia. Sem passado, sem presente, sem alma, sem futuro.
Foi, então, que o alarde das crianças lhe tirou do torpor em que se encontrava.
Não é que algo estava acontecendo lá fora?
E o que se passou diante de seus olhos gelou o sangue em suas veias, embora o calor reinante lá fora.
Não é que Cabiúna, o boi que ganhara o mundo tinha voltado?
Como pudera ter voltado depois de sentir o gosto da liberdade?De viver sem patrão? De pastar em outras pradarias? De estar livre da canga e do relho?
Será que não sabia mais viver por sua própria conta?Será que precisava que lhe dessem um sentido para sua existência?Será que só tinha vida a serviço do seu dono?
Não tinha vida fora disso?
E o pior estava acontecendo ali. Estavam tirando-lhe o que restava de vida.
Podia o homem ser o Senhor da Vida e da Morte?
Sentiu as lágrimas escorrerem em sua face.
Sentia-se tal qual o boi velho.
Onde estava o sentido de tudo? Na vida? Na morte? Nos dois? Em nenhum dos dois?
Percebeu que o sentido de tudo talvez estivesse nela mesmo. Em reencontrar a vida dentro dela.
Foi preciso um choque para lhe mostrar que tudo dependia dela. No que podia fazer daqui para frente.
Reencontrou o que julgara perdido para sempre.
A esperança...
Não ia esperar para tirarem-lhe o couro também.
quarta-feira, 29 de outubro de 2008
sábado, 22 de março de 2008
DILEMA
O telegrafista saiu às 5 horas, embora ainda tivesse muito que organizar na sua sala. Inúmeros telegramas para expedir e todo o caixa para conferir e encerrar. Além disso, seu horário só terminaria às 7 horas . Estava se ausentando sem o conhecimento e consentimento de seu chefe.
Vestia uma camisa azul com o emblema da repartição, seu uniforme obrigatório e carregava uma pasta que continha alguns telegramas e uma arma. Tinha que tirar algumas dúvidas (ou já eram quase certezas?) que surgiram ao receber um telegrama endereçado para sua mulher, marcando um encontro num lugar que ele sabia bem a reputação que tinha e o fim a que se destinava.
Sua maior preocupação era tirar tudo a limpo. Não queria cometer injustiça
e para tanto, não iria de imediato tomar nenhuma atitude violenta, precipitada da qual poderia se arrepender. Afinal, tinha filhos. Amava-os. Também amava Lídia e acreditava-se amado por ela.
Estava nervoso. Nunca tinha passado por situação semelhante. Sentia-se agredido, o que considerava um sentimento natural para a ocasião. Afinal, sempre fora bom marido, bom pai.
Encontrou-se com o emitente da mensagem, que vinha do consultório em direção ao local indicado, e cuja idéia, certamente, era encontrar-se com Lídia.
Depois de cumprimentar interpelou o indivíduo, de quem só sabia o nome e a profissão, pelo que ouvira falar pela boca do povo do lugar. A idéia era segui-lo sem ser visto, mas não se conteve, tal era deu estado de excitação e descontrole.
Depois de discutirem o caso, decidiram que tudo não passava de um mal entendido, pois na realidade, Lídia estava muito enferma, não desejava que ninguém soubesse, por isto não iria ao consultório. Havia pedido ao médico que a encontrasse em outro lugar, por isto o telegrama dele. Desejava mostrar-lhe uns exames que tinha em mãos.
Ao invés de sentir-se aliviado, sentia-se mais perturbado.
O telegrafista saiu às 5 horas, embora ainda tivesse muito que organizar na sua sala. Inúmeros telegramas para expedir e todo o caixa para conferir e encerrar. Além disso, seu horário só terminaria às 7 horas . Estava se ausentando sem o conhecimento e consentimento de seu chefe.
Vestia uma camisa azul com o emblema da repartição, seu uniforme obrigatório e carregava uma pasta que continha alguns telegramas e uma arma. Tinha que tirar algumas dúvidas (ou já eram quase certezas?) que surgiram ao receber um telegrama endereçado para sua mulher, marcando um encontro num lugar que ele sabia bem a reputação que tinha e o fim a que se destinava.
Sua maior preocupação era tirar tudo a limpo. Não queria cometer injustiça
e para tanto, não iria de imediato tomar nenhuma atitude violenta, precipitada da qual poderia se arrepender. Afinal, tinha filhos. Amava-os. Também amava Lídia e acreditava-se amado por ela.
Estava nervoso. Nunca tinha passado por situação semelhante. Sentia-se agredido, o que considerava um sentimento natural para a ocasião. Afinal, sempre fora bom marido, bom pai.
Encontrou-se com o emitente da mensagem, que vinha do consultório em direção ao local indicado, e cuja idéia, certamente, era encontrar-se com Lídia.
Depois de cumprimentar interpelou o indivíduo, de quem só sabia o nome e a profissão, pelo que ouvira falar pela boca do povo do lugar. A idéia era segui-lo sem ser visto, mas não se conteve, tal era deu estado de excitação e descontrole.
Depois de discutirem o caso, decidiram que tudo não passava de um mal entendido, pois na realidade, Lídia estava muito enferma, não desejava que ninguém soubesse, por isto não iria ao consultório. Havia pedido ao médico que a encontrasse em outro lugar, por isto o telegrama dele. Desejava mostrar-lhe uns exames que tinha em mãos.
Ao invés de sentir-se aliviado, sentia-se mais perturbado.
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